GRIN – GUARDA RURAL INDÍGENA: DAS VIOLAÇÕES À NOÇÃO DO DIREITO À CULTURA

 

Pau-de-arara, técnica de tortura ensinada à Grin.

GRIN - Guarda Rural Indígena, é um documentário que aborda a formação da Guarda Rural Indígena (Grin) durante a Ditadura Militar, em Belo Horizonte, Minas Gerais. A partir de relatos de indígenas sobreviventes, apresenta um resgate histórico, assim como as memórias e os destrutivos desdobramentos de um violento processo de colonialista de disciplinamento dos povos originários.

O documentário de 2016, tem a direção de Roney Freitas, mestre em Meios e Processos Audiovisuais (PPGMPA-USP) e bacharel em Audiovisual pela Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP. A codireção é de Isael Maxakali, cineasta e liderança indígena de Aldeia Verde, Reserva Maxakali (Ladainha-MG, Brasil), etnólogo, doutorando em Antropologia Social pelo Museu Nacional (UFRJ).

A produção ocorreu ao longo de dois meses de pesquisa de campo com realizadores de Aldeia Verde, em diferentes municípios e pequenas localidades de Minas Gerais. O conteúdo do trabalho permitiu requerer ao Ministério Público de MG a indenização aos povos originários pelas violências da Ditadura Militar e seus desdobramentos.


A GRIN

Em 1969, em Belo Horizonte - MG, um grupo de cerca de 80 indígenas Maxakalis foram recrutados pela Policia Militar para compor a chamada Guarda Rural Indígena (Grin). Segundo Freitas (2011), a guarda surge durante conflitos entre fazendeiros, que estavam em busca de preservar e ampliar suas posses e indígenas, que sofriam com o latifúndio e os danos causados pela colonização e a interação com brancos. O autor comenta que para estancar as demandas indígenas as autoridades optaram por recruta-los, impondo-lhes o disciplinamento e o treinamento de tortura a ser aplicada contra o próprio povo Maxakali. Este, nesse ínterim, se encontrava fortemente afetado pelo alcoolismo e pela fome, rotulados como “índios delinquentes”. Ademais, a formação da guarda foi um recurso do Estado brasileiro frente as pressões das políticas de integração ao capitalismo globalizado, e visava mascarar no discurso civilizatório dos povos originários, os conflitos e todo genocídio em curso.

Cenas reais da época compõem as imagens do documentário, embaladas pelos relatos de violência narrados pelos Maxakalis mais velhos. Nelas uma apresentação de cerimônia da Grin foi revelada, trata-se das filmagens de um indígena sendo carregado por dois outros indígenas em um pau-de-arara, enquanto o batalhão marchava, aplicava técnicas de tortura e batia continência. Nesse sentido, percebe-se como a tortura como prática institucionalizada pelo Estado.


DAS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS

Desde 1960 a Anistia Internacional e a Comissão Interamericana de Direito Humanos (CIDH), denunciam as violações de direitos políticos no Brasil, em especial durante a regime militar.  Nesse período inicia-se a implementação de uma Justiça de Transição no país, entendida por Osowski e Pamplona (2021, p.3), como um “método para superar esses conflitos e refazer o tecido social dilacerado pela prática de graves violações de direitos humanos experimentadas nesses períodos autoritários e de conflitos armados”. Além de promover a paz, a reconciliação e a construção de um regime democrático, tem como objetivo o reconhecimento do direito das vítimas (Osowski e Pamplona, 2021),

Ainda conforme Osowski e Pamplona (2021), fruto dos Comitês Brasileiros pela Anistia, em 2014 foi apresentado o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e dos relatórios   das   Comissões   Estaduais   da   Verdade, que concluíram que entre 1964 e 1988, houve uma generalização da violação de direitos humanos dos povos indígenas visando a segurança e o “desenvolvimento” do Brasil. Foi identificado projetos  de  colonização, de  exploração  de  minérios e madeira e megaprojetos de infraestrutura, caracterizando a completa cumplicidade do setor empresarial e omissão do governo (Osowski e Pamplona, 2021). Portanto, se por um lado no que se refere ao conflito com entre latifundiários o Estado se fez presente militarmente, por outro, se tratando do setor empresarial as autoridades se fizeram presente pela omissão, mas com um único propósito.

Os efeitos de um projeto exploratório colonial reverberam na narrativa catártica dos entrevistados e toca questões como as violências de indígenas da Grin, o sofrimento de todos Maxakalis, casos de assassinato e os desdobramentos nas vidas que foram afetadas. Destarte, um ponto chama atenção: o impacto da colonização nos costumes, nas relações e nos indivíduos, especificamente no que diz respeito ao consumo de álcool. É expressivo nos relatos como a intrusão do álcool na cultura e cotidiano lhes tornou improdutivos, dependentes e, não menos, levou a conflitos interpessoais e a mortes.


DOS DIREITOS HUMANOS À CULTURA

Diante do exposto, se reconhece que, para além das violações de direitos, no tocante à produção audiovisual os fatos históricos resgatados, as memórias reveladas, a linguagem preservada e a autonomia dos envolvidos em registrar e proteger o patrimônio cultural, denotam a impressibilidade do pensamento antropológico da dimensão cultural dos Direitos Humanos (Lelis & Edilene, 2016). Pois a resistência em defesa dos interesses morais e materiais que traduzem uma luta pela autodeterminação, remetem à esfera sócio-histórica basilar das necessidades humanas.

Desse modo, não apenas suas dores dos oprimidos devem ser consideradas, suas potencialidades enquanto sujeitos políticos igualmente podem ser amplificadas, em um movimento de baixo para cima na conquista, quebrando grilhões rumo à libertação humana.


Direção: Roney Freitas
Codireção: Isael Maxakali
Ano: 2016
Duração: 40 minutos


Referências:

Freitas, E. B. D. (2011). A Guarda Rural Indígena–GRIN–Aspectos da militarização da Política Indigenista no Brasil. Anais da Anpuh. Disponível em: www. snh2011. anpuh. org/resources/anais/14/1308140347_ARQUIVO_grin_Fin. pdf.

Lelis, H. R., & Edilene, L. Ô. B. O. (2016). A dimensão cultural dos direitos humanos e a efetivação do Estado Democrático de Direito. Rev. Juridica, 3(44), 734-758.

Osowski, R. D. S. F., & Pamplona, D. A. (2021). Cumplicidade Empresarial, Justiça de Transição e Violações de Direitos Humanos dos Povos Indígenas no Brasil durante a Ditadura Civil-Militar de 1964-1988. Homa Publica-Revista Internacional de Derechos Humanos y Empresas, 5(2), 092-092.



Colunista:
Thiago Augusto Pereira Malaquias
Psicólogo Comunitário - CRP.: 13/9871
Mestrando em Psicologia Social - UFRN
Pós-graduando em Direitos Humanos - UNILA
Site: www.tapsicologo.com Instagram: @tapsicologo

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