O Grupo se formou em 2006, tendo como formação inicial: Leal, o MDS e Dj Adalto. Com a saída do MDS e do Dj Adalto, em 2009 Rodrigo entrou para somar com o Leal e em 2019 Dj Mamona chegou para fortalecer ainda mais a resistência da rapaziada. Fora do Ktarse, cada um mantêm sua relação visceral com a realidade do trabalhador superexplorado: Rodrigo é educador social em uma ONG que trabalha junto com a população de rua e imigrantes no centro de São Paulo; Dj Mamona é desenhista projetista industrial e Leal é historiador e professor da rede pública. Suzano/SP é a quebrada de onde ecoam seus manifestos artísticos em prol da revolução dos oprimidos, e a origem dessa caminhada remete aos anos 90: Rodrigo integrou o extinto grupo Drama Realista, que gravou dois singles e um álbum, e Leal fez parte do também extinto grupo Instinto RAP. Hoje o Ktarse possui dois álbuns: "Gueto subversivo" [2011] e "Inflamando a insurgência" [2017], ambos disponíveis nas mídias sociais.
De forma extremamente ética e respeitosa com as pessoas da periferia, em seu novo som o Ktarse aborda questões políticas e sociais da vida dos homens no mundo capitalista para desmistificar a ideia de um Jesus milagroso. Ao invés de um Jesus mágico, o grupo nos apresenta uma leitura politizada de um Jesus rebelde, que combate as injustiças dos opressores e que está em cada sofredor/a explorado/a e desumanizado/a pelo sistema, em cada excluído/a. E essa é apenas uma das reflexões que a letra, o tema, o contexto e a postura do grupo nos despertam. É um som contundente, que amplifica a voz dos silenciados, que reconhece a bravura daqueles/as que são perseguidos por lutarem por paz, justiça e liberdade, e cujo discurso se opõe ao discurso liberal tão disseminado pelos/as artistas do RAP comercial.
E para conhecer melhor qual é a mensagem do Ktarse e compreender o significado dessa letra no nosso contexto, nada melhor do que as palavras narradas pelo próprio grupo. Dessa forma, confira abaixo trechos de uma troca de ideias com um dos integrantes do grupo, mais conhecido como Rodrigo Ktarse, na qual ele fala um pouco sobre a ideologia, os corres na quebrada e as influências do grupo. O rapero também relata tudo sobre o lançamento dessa pedrada. Assim cada um/a pode tirar suas próprias conclusões sobre o Ktarse, seus sons e suas atividades na quebrada.
Ao final, logo na sequência, após essa troca de ideias, confira o vídeo da música, a letra e as informações de contato do grupo, para que todos/as guerreiros/as da periferia possam somar nessa trincheira. Pega a visão…
O Ktarse
Rodrigo: "Descobri esse nome em uma das minhas leituras, fui buscar o significado e achei potente, então apresentei para o Leal que procurava um nome para o grupo e ele abraçou na hora. Pra nóis significa libertação dos pensamentos, liberação das ideias que estão aprisionadas. Porém a gente dimensiona primeiro o contexto onde a gente tá inserido, que tipo de realidade e em quais condições sociais, políticas e econômicas estamos inseridos. A ideologia do grupo eh o seguinte, somos anticapitalista, anti e Estado. Nóis acredita que é possível construir uma sociedade autônoma, auto gerida, nóis por nóis e sem instituições hierarquizadas".
Os manos e a realidade
Rodrigo: "Somos três manos de periferia, do fundão de Suzano e nossas vivências foi e ainda é como a de todo periférico. A gente conviveu e convive cotidianamente com escolas precárias, hospital deteriorado, falta de médico, falta de profissionais da saúde, falta de medicamentos. Vivemos em bairros que não têm centro de lazer, bibliotecas comunitárias… Mano, a gente não tem aquilo que a gente considera necessário pro desenvolvimento das nossas potencialidades humanas. Então a gente vivencia a criminalidade sendo sedutora pra juventude que não tem perspectiva, as drogas de forma frenética na quebrada, a violência policial, a violência do sistema, tá ligado?! A gente filtra tudo isso daí e devolve pro sistema, mas devolve isso como potência, através da rima, do rap, do rap combativo".
Influências e inspirações
Rodrigo: "O Rap possibilitou para nós a reflexão, ampliar nossa visão de mundo, na qual a gente percebeu a necessidade da leitura, do conhecimento, tá ligado?! A gente dialoga com diversos saberes, que tem como problematização as ideias anticapitalistas e anti Estado, a gente procura tá ganhando conhecimento no marxismo também, mas principalmente, no anarquismo e também com outros saberes que são historicamente marginalizados: saberes da luta e resistência dos de baixo, saberes dos grupos indígenas, saberes dos povos africanos, dos latino-americanos... Saberes que sempre estiveram na resistência contra o Estado e contra o capitalismo. A gente se inspira muito nos movimentos sociais autônomos, nas lutas anti coloniais, todos os saberes que possibilitam a gente imaginar, mas, principalmente, ver na prática que outro mundo é possível, sem explorados e sem exploradores, sem opressores e sem oprimidos".
Corres na quebrada
Rodrigo: Além de ser um grupo de rap, temos essa preocupação do engajamento político social, porque além de a gente rimar e estar nos palcos da vida com o microfone na mão, na prática a gente procura fazer a militância, a luta, principalmente aqui no bairro que a gente mora. A gente faz parte de um coletivo autônomo, chamado Ação Coletiva da Periferia, a gente sempre tá fazendo arrecadação de alimentos, atividades culturais, políticas, tá ligado?! Pra fortalecer a galera que tá mais fragilizada aqui na quebrada.
Jesus das ruas
Rodrigo: A ideia da música Jesus das Ruas surgiu após a leitura que eu fiz de um livro chamado “Jesus das Ruas, a trajetória do Padre Júlio Lancelotti”, que é um padre que há 35 anos luta junto, lado a lado com a população de rua aqui de São Paulo. Ele está sempre engajado nas ocupações autônomas, nas malocas, em todos os espaços em que a população de rua está inserida no centro de São Paulo. E nesse livro ele nos mostra um Jesus não convencional, né, mano?! Um Jesus não institucionalizado, que lutou contra os opressores, que não se rendeu ao sistema, que sempre teve junto, lado a lado com os fodidos sociais e renegados do sistema. Então a inspiração dessa letra vem a partir da leitura desse livro, que eu recomendo que a rapa leia! Um livro forte, potente e contundente e nos traz um olhar revolucionário de um Jesus revolucionário. Não um Jesus capitalista, conformista, que almeja bens materiais, que os poderosos tentam domesticar para manter os oprimidos amansados. Falamos de um Jesus subversivo.
A missão do som
Rodrigo: Então, mano, o intuito da música é escancarar a realidade: que o sistema capitalista tenta a todo momento fazer com que as pessoas naturalizem que a pobreza, a miséria, a violência é consequência das opções dos indivíduos. É pra escancarar que essa é uma ideologia do opressor pra ele manter seus lucros, seus privilégios através das engrenagens de violência, né, mano?! Engrenagens de exploração e de opressão. O som é pra injetar ódio e fúria no oprimido, para que ele se rebele contra o sistema. Porque toda pobreza, violência e miséria, é consequência do sistema, de como ele tá organizado, tá ligado?! É pra mostrar que se realmente houve um Jesus na história, esse Jesus não teve nada de sobrenatural, ele apenas foi mais um indignado, mais um que não se conformou com as injustiças do sistema e se rebelou contra os opressores. Então cada morador de rua traz esse Jesus dentro de si, um Jesus que não aceita as mazelas, a condição oprimido. E se cada morador de rua se encontra nessa condição de indigência, de miserabilidade, é porque existem grupos de indivíduos privilegiados, que a mais de 500 anos mantém sua riqueza e modo de vida capitalista. É também para provocar aqueles que estão conformados a virem lutar, a virem somar nessa trincheira, tá ligado?! Porque se somos nós, os de baixo, que produzimos tudo, então tudo nos pertence! Acho que é isso.
Letra: “Jesus das ruas”
Por: Ktarse
“Somos um fracasso, pois se formos um sucesso quer dizer que aderimos ao sistema”.
PARTE - I
Os moradores de rua são seres humanos
Gente com vida, esperança, amor e sonhos
Mudar o olhar sobre os moradores de rua
A pobreza é consequência dessa sociedade injusta
O acúmulo de riqueza dos privilegiados
É conquistado com o massacre dos flagelados
Dos encarcerados, renegados, famintos
São crucificados pelas políticas de extermínio
Desprotegidos, sem eira nem beira
Violentados e crucificados pelo sistema
Crucificados pela fome, pelo frio.
Torturados por essa sociedade hostil
Os moradores de rua os crucificados da história
Crucificados porque a pobreza incomoda
Os poderosos, os governantes, os ricos
Que a 500 anos crucifica os empobrecidos
Refrão;
“Jesus é a trans, é a mulher oprimida
Das favelas, dos guetos, das periferias
É o marginalizado, é a prostituta
Jesus é o flagelado morador de rua”
PARTE II
Aqueles e aquelas que dormem nas calçadas
Sobrevivem nessa sociedade desumanizada
Violenta, eugenista, covarde
Apesar dos conflitos e das dificuldades
Apesar da realidade horrenda e triste
Ainda há esperança, ainda há quem revide
Ainda há humanidade e amor pelos pobres
Todo respeito ao Padre Júlio Lancelotti
Trinta e cinco anos de luta e resistência
Encontrou Jesus nos crucificados pelo sistema
Nas malocas, nos viadutos, nos barracos
Nas crianças de rua, nos encarcerados
LGBTQI, nas mulheres oprimidas
Das favelas, dos guetos, das periferias
Nos marginalizados, nas prostitutas
Encontrou Jesus nos moradores de rua
Cristo era um andarilho, um forasteiro
Passou fome, frio, foi torturado e preso
Foi marginalizado, vitimado pela violência
Viveu e morreu do lado de fora das igrejas
Refrão;
“Jesus é a trans, é a mulher oprimida
Das favelas, dos guetos, das periferias
É o marginalizado, é a prostituta
Jesus é o flagelado morador de rua”
PARTE - III
O Jesus das ruas nos ensina a sabedoria
Que lutar com o povo de rua é lutar pela vida
Conviver e caminhar com a nossa gente
De forma horizontal sem estar à frente
Para caminhar junto é precisa conviver
Os moradores de rua são de atitude e proceder
Não adianta dizer que luta pelo povo de rua
Atrás do gabinete de uma ONG ou prefeitura
Se nunca encostou num viaduto ou numa maloca
Os maloqueiros não passam pano pra hipócrita
Se nunca apanhou da policia com os pobres
Se nunca enfrentou a truculência da tropa de choque
Não sabe a dor de ser tratado como lixo
De ser tratado como louco subversivo
De ser tratado como agitador comunista
De ser tratado como terrorista, anarquista
A lealdade e a afetividade na convivência
É compromisso de luta contra o sistema
Os moradores de rua têm suas necessidades
Como qualquer ser humano nessa sociedade
Precisam de proteção, carinho, respeito
Precisam de casa, saúde, emprego
Não queremos caridade dos de cima
Queremos solidariedade e vida digna
Com essa sabedoria o padre Júlio segue na resistência
Junto e lado a lado com os renegados do sistema
Com os Crucificados por falta de moradia, emprego
Oprimidos pelo rapa pelos governos
O Jesus das ruas na trajetória de Júlio Lancelotti
É um exemplo de amor e luta junto os pobres
Refrão;
“Jesus é a trans, é a mulher oprimida
Das favelas, dos guetos, das periferias
É o marginalizado, é a prostituta
Jesus é o flagelado morador de rua”.
Essa letra foi inspirado no livro o jesus das ruas na trajetória do padre Júlio Lancelotti.
PRODUÇÃO E LETRA: RODRIGO KTARSE
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GRAVADO E MASTERIZADO NO ESTÚDIO LEANDRO MINGAU
PRODUÇÃO DE VÍDEO: IMARGINARTE.
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KTARSE
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Por: Thiago Augusto Pereira Malaquias - Psicólogo.