O LEGADO DE KING E O RAP GOSPEL QUE NÃO É CRISTÃO


Em uma postagem numa rede social, o rapper Pregador Luo do grupo Apocalipse 16 fez uma publicação em que um dos seus seguidores questionava a história de Malcolm X e aclamava a vida de Martin Luther King. O post gerou bastante repercussão e comentários, com uma grande parte das pessoas exaltando King, e colocado a Figura de Malcolm X como alguém extremista, maléfico e que não devia ser seguido.


Luo respondeu a vários comentários pontuando seu posicionamento em respeito a esses dois grandes líderes negros dos EUA, mas, visto que boa parte dos que comentaram eram também evangélicos, a propensão a aceitar a figura de King era muito maior, mesmo conhecendo bem pouco da sua história. 


Com isso não é de se espantar que mesmo lutando por causas semelhantes, discordando somente sobre as estratégias de se chegar ao objetivo, a figura de Luther King seja mais apreciada por boa parte das pessoas em relação a Malcolm. Por ter uma linha mais pacifista, ser pastor evangélico, a imagem que se criou de King é menos indigesta do que a do ”muçulmano radical” Malcolm X. 

As camadas cristãs tendem a exaltar mais a figura de King, visto que ele era um pastor batista, pacifista, adepto ferrenho da não violência. Mas essa imagem quase santificada de Martin não foi sempre assim, ele já foi considerado o homem mais perigoso dos EUA, chamado de comunista e era constantemente perseguido e grampeado pela polícia secreta estadunidense.

O afastamento de parte das pessoas, a maioria cristã da história de Malcolm X não é espanto. Em seu histórico de vida uma infância pobre, sofrida, com seu pai morto pela Klu Klux Klan, sua mãe internada em um hospital psiquiátrico, seus irmãos jogados a sorte da vida com parentes ou em orfanatos. Uma juventude criminosa, no meio da boemia, golpes, tráfico, assaltos a mão armada e como recompensa 11 anos de condenação. Mesmo diante disso, Malcolm se tornou um dos maiores líderes negros de toda a história, e teve sua vida radicalmente mudada pelo islã e pela educação. Só por isso sua trajetória já pode ser considerada um milagre e um exemplo para todos. Porém, muitos que sequer conhecem sua história por completo tentam apagar sua importância, e o fazem exaltando a figura de Luther King.

O fato é o seguinte: Alguns cristãos repudiarem a história de Malcolm é até compreensível, não deveriam, mas acontece por desconhecimento ou aversão a imagem que se foi criada dele. Mas, será que Martin Luther King é tão parecido com os cristãos de hoje, a ponto de muitos deles reivindicarem o seu legado? 

É um ponto a se discutir. Não querem ser Malcolm, mas estão muito longe de ser Martin.



O LEGADO DE KING E O RAP GOSPEL

OBS: Importante destacar que no decorrer no texto usarei o termo “rap gospel” no sentido evangelístico, cristão, religioso, e não como gênero mercadológico que é como hoje é mais conhecido a palavra gospel.

O rap gospel surgiu do envolvimento de jovens frequentadores de igrejas evangélicas com o Hip Hop na década de 80/90. Esse gênero apresentava um discurso parecido com o rap “secular”, isto é, narrava as atrocidades vividas na periferia, mas também trazia nas suas letras uma espécie de revolução espiritual, que seria alcançada quando os manos e minas entregassem suas vidas a Cristo. Os problemas narrados ainda eram as mazelas sociais, a criminalidade, as drogas, a violência, mas a solução para essas questões estava mais ligada a uma mudança espiritual do que uma revolução contra o sistema. 

Alguns nomes se destacaram nessa vertente do rap como DJ Alpiste, APC 16, Tina, Eclesiastes, Relato Bíblico, Provérbio X, Ao Cubo, Lito Atalaia, Alternativa C, entre outros.

É bom lembrar, o rap gospel sempre foi um gênero marginalizado dentro das igrejas evangélicas, e só foi acolhido quando lideres evangélicos observaram seu potencial para atrair os jovens. Mas no inicio não era aceito por se tratar de uma música “mundana” e que tinha aspectos relacionados com a criminalidade. Era muito comum rappers serem proibidos de se apresentarem em templos, e se situarem em palcos da rua. O rap gospel era muito mais aceito e respeitado fora da igreja do que dentro dela. Era normal em festas de rap se apresentarem também grupos evangélicos. O próprio Apocalipse 16 foi um grupo de destaque nesse sentido. Seu primeiro álbum de 1998 “Arrependa-se” foi lançado pela Cosa Nostra, gravadora do Racionais Mc´s. Pregador Luo fez uma pregação na memorável noite em que o Racionais se apresentou no VMB em 1998. 


APC16 nunca foi somente um grupo de evangelização, suas letras sempre foram contestadoras e críticas ao sistema. Seu segundo álbum 2° Vinda [A cura], lançado em 2001, foi o vencedor do prêmio de melhor álbum do ano no Hutuz. Apesar do tema escatológico, é também um manifesto político do início ao fim. Temas como a segregação, o encarceramento em massa, politica, escravidão, imperialismo e o descaso do governo com o povo pobre e preto é recorrente no disco. O álbum tem participações de nomes de peso do rap nacional como Xis, Facção Central, RZO, Racionais, Consciência Humana, entre outros.

Por isso ver o Pregador Luo se manifestar em suas redes sobre esses temas também não deveria chocar ninguém.

Assim como em outros segmentos, o rap gospel não é homogêneo, cada grupo tem sua própria linha ideológica, suas crenças, seu posicionamento. Fato é, que com as tensões políticas recentes, ficou evidente a separação entre alguns. Muitos grupos se exilam na neutralidade apática, preferem não opinar sobre a política e não expor para os fãs suas opiniões. Talvez com receio de retaliações vindo de um lado ou de outro. Já outros deixam muito claro suas opiniões, e cultivam comentários odiosos dos seus antigos fãs.

É aí que entra o legado dos mártires e ícones do evangelho. Para um lado ou para o outro as figuras de Pedro, Lutero, Paulo, o próprio Cristo, e mais recentemente Luther King são requisitadas para afirmação do compromisso com a causa evangelística e numa batalha espiritual. Os cantores de rap gospel são como profetas modernos, a questão é que alguns são falsos.

No fervilhar das eleições de 2018, um grupo evangélico lançou uma música exaltando os ideais da direita, e posicionando Martin Luther King como também sendo desse espectro. Para quem não se lembra, até Fernando Holiday já desfilou com uma camisa com Luther King.

Mais uma vez a história não estudada vira referência.

O INDIGESTO PASTOR BATISTA

Algo que precisa ser revisitado é caminhada dos nossos ícones do Hip Hop. Não para desmanchar o seu legado e mostrar que não foram verdadeiros heróis. Muito pelo contrário, devemos fazer isso para humanizar a figura, e contar as suas verdadeiras ações ao longo do tempo.  Muitas vezes hasteamos bandeiras, vestimos camisas, bradamos discursos feitos, mas, ficamos nas generalizações, e ignoramos a sua caminhada. Um desses é Martin Luther King.

Usando do lema da desobediência civil, ainda muito jovem, King foi um dos líderes ao boicote as linhas de ônibus em Montgomery quando a ativista Rosa Parks se recusou a ceder o seu lugar no coletivo para um homem branco. Era um ferrenho defensor da não-violência, o que muitas vezes criava tensões entre seus contemporâneos como é o caso de Malcolm. Porém, King enfrentava a estrutura racista e não se acovardava diante da segregação racial nos EUA, as leis de Jim Crow, a brutalidade da polícia e a apatia da igreja cristã em relação a esses temas.

King ao contrário do que muitos pensam não era uma espécie de hippie negro que pregava uma paz e amor transcendental que um dia chegaria, e que os problemas desse mundo iam se dissipar como mágica. Era o oposto disso. Seus discursos iam no cerne da questão racial, problematizava a estrutura social que fazia com que negros fossem tratados como inferiores. Ele não atenuava o racismo com amenidades, mas escancarava a hipócrita sociedade racista americana. Seus sermões contra a escravidão, o colonialismo, a exploração do continente africano e contra os racistas não eram feitos somente em praças públicas ou em memoriais. Ele usava o púlpito das igrejas cristãs para denunciar esse sistema imundo. Muitos desses discursos foram feitos na igreja Batista onde ele presidia, na avenida Dexter, em Montgomery, um dos templos mais tradicionais do Alabama.

As boas novas por MLK - Clique na foto para ampliar

Ele recorria a história da escravidão, o sistema desigual, combatia o racismo dos brancos e falava contra a desigualdade social. Se vivesse hoje, King seria o que chamam de “mimizento” ou “vitimista” por expor os flagelos do racismo.

Atacava a desigualdade social não só como uma mácula da sociedade americana, mas também como um pecado que o próprio Deus abominava. Não separava o mundo material do espiritual, e não aceitava a máxima “sofrer aqui para herdar a vida eterna”. Luther King não fazia somente pregações sobre boas novas, ou curas e milagres. O templo religioso era o local de trazer a forra o que precisava ser dito. Dizia que uma sociedade que produzia miseráveis e mendigos precisava ser mudada, e que atacava a “normalidade” de haver pobreza num vasto campo de riqueza material.

Quando o garoto Emmet Till de apenas 14 anos foi brutalmente assassinado por dois homens, que o acusaram de ofender uma mulher branca, o que ela própria desmentiu anos depois, King não fez coro com os cidadãos de bem dizendo que se morreu é porque devia ter feito algo errado. Ou pediu a diminuição da maioridade penal por ele ter infringido alguma lei e por isso recebeu sua sentença merecida. Pelo contrário, o pastor batista usou o púlpito de sua igreja para denunciar firmemente o assassinato e linchamento do jovem pelos racistas. 

Justiça social por MLK - Clique na foto para ampliar

Luther King também não passava pano para polícia, sempre falou sobre a brutalidade militar contra os negros, as mordidas dos cães raivosos, os jatos d’água lançados contra manifestantes e a estrutura de poder que faz dessa instituição racista na sua essência. Nunca que ele apoiaria o extermínio atual de pessoas negras, a militarização das favelas, a ocupação dos morros com caveirões blindados na busca de uma suporta pacificação. King tem no seu histórico de vida várias prisões e conflitos com a polícia.

No ápice da sua militância e enfrentamento ao racismo, King ficou conhecido como o negro mais perigoso e vigiado dos EUA. O diretor do FBI, Edgar A. Hover, era perseguidor notório do reverendo, classificando-o como um agitador, baderneiro e comunista. O governo dos EUA grampeou o telefone, a casa e até os hotéis em que Martin Luther king se hospedava na década de 60. O objetivo do governo era manchar a imagem de King diante da opinião pública, tentar expor algo imoral ou alguma associação a organizações “terroristas”. O FBI chegou a enviar cartas anônimas a ele sugerindo que cometesse suicídio, do contrário, seus segredos iriam ser revelados a sociedade americana. 

Nesse ponto, e no contexto da guerra fria, podemos também destacar que ser “comunista” não era especificamente defender as teoristas marxistas ou pensar de maneira materialistica-dialetica. Mas sim, ser contrário ao ideário americano, uma espécie de inimigo público interno. Alguém que tumultuava o ambiente pacifico e democrático com “problemas raciais desnecessários”.

Para perceber o quanto essa perseguição era profunda, os arquivos da investigação sobre Martin Luther King só vieram a público em 2017. Já as fitas com gravações sigilosas feitas através de grampos, só poderão ser conhecidas em 2027 por decisão do Tribunal de Justiça por ser considerado segredo de estado.

A brutalidade da policia por MLK - Clique na foto para ampliar


No seu último discurso “Estive no topo da montanha”, onde King parecia estar prevendo a sua própria morte, ele foi até a cidade de Memphis no Tennessee, não para uma convenção religiosa ou uma cruzada de milagres, mas sim no objetivo de apoiar uma greve de coletores de rua que buscavam melhores salários e condições de trabalho. "A pergunta é: Se eu não parar para ajudar os coletores, quem o fará?"

Na ocasião ele foi morto com um tiro, o disparo acertou a sua espinha dorsal abaixo do queixo. King morreu ali mesmo na sacada do hotel em que estava hospedado. Seu assassino James Earl Ray era um supremacista branco, ex-militar e que matou King por questões raciais, afirmando que ele atrasava politicamente e economicamente os EUA com suas passeatas.


Importante falar que esse texto não procura colocar Luther King como um bastião da esquerda. Ele próprio em seus discursos falava abertamente contrário aos regimes comunistas. Mesmo assim, a característica do seu posicionamento referente a sociedade apontava para o lado oposto da direita estadunidense e do pensamento racista e conservador que criou a Ku Klux Klan, os Cavaleiros da camélia branca e mais recentemente os manifestantes de Charlottesville.

Algo que iria irritar profundamente algumas pessoas hoje, principalmente os negacionistas do racismo, era que King não se furtava de questionar o privilégio branco. Não existia esse papo de “somos todos iguais” ou “a escravidão já acabou”. Ele sempre resgatava o passado escravagista e de como as coisas pouco tinham mudado. Dizia que os brancos não sabiam o que era sentir o racismo na pele, e de como o o silencio frente a isso era covarde. ”Suponho que deveria ter percebido que poucos membros da raça opressora podem compreender os graves gemidos e os anseios apaixonados da raça oprimida, e que menos ainda têm a perspicácia para notar que a injustiça tem de ser extirpada por ações fortes, persistentes e determinadas”.


A "paciência" dos brancos por MLK - Clique na foto para ampliar


Apesar de não se posicionar no campo da esquerda, o reverendo tinha atitudes que hoje o colocariam como um baluarte do comunismo para alguns. 

Em 1957 ele fez uma pregação intitulada “O nascimento de uma nova nação”, que faz uma associação entre Moisés que tirou os hebreus do Egito, e o líder político marxista de Gana, Kwame Nkrumah que liderou a luta dos ganeses contra o sistema imperial britânico que dominou esse pais por décadas. Ele também foi um duro critico a Guerra do Vietnã, dizendo que o governo dos EUA não poderia interferir em outros países para levar democracia, quando ela era inexistente no próprio solo americano.

Luther King foi um dos criadores da operação Cesta de pão, uma espécie de economia solidária na qual auxiliava famílias pobres com ajuda mútua de alimentos, rendimentos e empregos, além de boicotar os lojistas que discriminassem os negros nos seus estabelecimentos. Hoje muitos o chamariam de assistencialista, ou que estava “dando o peixe, ao invés de ensinar a pescar”.

Ele também participou ativamente de greves, boicotes, passeatas e manifestações. Todas com cunho político atrelado a sua visão teológica. Não havia separação entre a sua crença e a transformação social.

Por todo esse histórico é muito mais crível que hoje King estaria nos protestos pelas mortes de George Floyd, Rayshard Brooks e Breonna Taylor, do que no templo pedindo pelo milagre da paz mundial.

O GOSPEL QUE NÃO É CRISTÃO

Caso fosse vivo hoje, e convidado para ministrar a palavra em algumas igrejas evangélicas, Luther King com certeza iria lotar os templos pela sua ilustre presença e fama. Porém, se ocultassem o seu nome, e apenas falassem que um pastor negro viria exortar a igreja sobre justiça social, racismo, segregação, e contra o acúmulo de bens, o resultado seria uma enxurrada de manifestações contrárias e de que a igreja de Cristo não é lugar para esses assuntos.

É por isso que se os cristãos que não querem ter Malcolm X como exemplo, deveriam ao menos querer ser um pouco do que King foi e pregou, e não apoiar governos genocidas, pastores exploradores da fé, que são adeptos da teologia da prosperidade, não deveriam ofender outras religiões e ser intolerantes com pessoas LGBTQ+.

Ao invés de compactuar com as ideias “cristãs” de Malafaia, Valdomiro, Paulo Ricardo, Crivela ou Bolsonaro, por que não seguir outros exemplos? Como o do Padre Júlio Lancelotti que faz um trabalho exemplar de ajuda a moradores de rua, distribuindo alimentos e vestuário. Ou quem sabe uma lição um pouco mais radical como o do pastor luterano Dietrich Bonhoeffer, que tendo conhecido o racismo das igrejas brancas e frequentado o bairro negro do Harlem nos EUA, voltou para Alemanha sua terra natal, e protagonizou um atentado frustrado contra Adolf Hitler em nome da igreja Confessante que se opunha ao regime nazista. Bonhoeffer foi enforcado em 09 de abril de 1945. Outro exemplo são os freis dominicanos, que juntamente com Carlos Marighella combateram a ditadura militar no Brasil.

Podemos também seguir os passos de Sojourner Truth, uma ex-escravizada que viveu nos EUA entre 1797-1883, e foi símbolo de resistência. Fugiu da escravidão e só voltou quando essa já tinha sido abolida no estado de NY. Era uma pregadora eloquente do evangelho, fazia seus sermões na rua, e se tornou defensora do direito das mulheres e da luta abolicionista. Seu discurso mais famoso “Eu não sou uma mulher?” relembra o nascimento de Cristo para questionar a inferiorização da mulher na sociedade.

Ou quem sabe sejamos ao menos um pouco como Martin Luther King, que como foi mostrado, não era um cristão covarde e apático diante das mazelas que afligiam o povo negro e pobre dos EUA.


A IGREJA FROUXA

Um último ponto a se tocar foi a coragem de King em apontar os pecados da própria igreja. Quando essa não se preocupava com os pobres, era leniente com o racismo, se fingia de cega para os problemas sociais, e aceitava a opressão contra os filhos de Deus. Martin Luther King nunca aceitaria a desculpa de que os problemas sociais não estavam na esfera da igreja.  

"Todos os dias, encontro pessoas jovens cuja decepção com a igreja tornou-se uma repugnância absoluta [...] Sim, essas perguntas ainda estão na minha mente. Em decepção profunda, chorei pela frouxidão da igreja [...] Com tanta frequência a igreja contemporânea é uma voz fraca, ineficaz com um som incerto. Com tanta frequência é uma arquidefensora do status quo. [...] Em meio a barulhentas injustiças infligidas sobre o negro, observei membros da igreja permanecerem à distancia e declamarem irrelevâncias pias e platitudes carolas. Em meio a uma vigorosa luta para livrar nosso país da injustiça racial e econômica, ouvi muitos sacerdotes dizerem: “Esses são temas sociais, com os quais o evangelho não tem nenhuma preocupação real”. E vi muitas igrejas empenharem-se numa religião completamente de outro mundo que faz uma estranha e não-bíblica distinção entre o corpo e a alma, entre o sagrado e o secular.

Em 1963, King estava encarcerado em Birmingham. Ele foi acusado de organizar uma manifestação sem autorização prévia contra o racismo. Então, foi escrita uma carta aberta onde oito clérigos protestantes criticavam a sua atitude e não compactuam com as passeatas que chamavam muito a atenção e causavam tensões na sociedade. Na carta dos clérigos eles pediam aos manifestantes liderados por King que encerassem as manifestações. Birmingham era considerada a cidade mais racista dos EUA.

A resposta de Martin Luther King é um dos mais importantes manifestos políticos e religiosos da história da humanidade.

Muitos relembram com devoção a Marcha sobre Washington e o discurso “I Have a Dream”, porém, o tratado escrito da solidão do cárcere intitulada “Carta de uma prisão em Birmingham” é talvez o mais profundo, cristão e político discurso do reverendo. 

Nesse texto podemos ver o quanto ele não era passivo diante da injustiça. Atacou os grupos privilegiados, a apatia e covardia da igreja cristã, denunciou os abusos e brutalidade da polícia. Mostrou que é necessário exigir de imediato a integração racial, que homens, mulheres e crianças negras não poderiam continuar a ser mortos e linchados pela cor da sua pele.

E o principal, disse que os privilegiados não abririam mão do seu privilégio por conta própria, isso tinha que ser conquistado. “Lamentavelmente, é um fato histórico que grupos privilegiados raramente renunciam aos seus privilégios por vontade própria [...] Sabemos por meio de experiências dolorosas que a liberdade nunca é voluntariamente concedida pelo opressor; ela tem de ser exigida pelo oprimido.



A frouxidão da igreja por MLK - Clique na foto para ampliar

O CRISTO QUE VEIO PARA OS DOENTES

O questionamento aqui é para volta a um evangelho que se preocupe com as vidas, com os miseráveis, com os oprimidos, com a injustiça no mundo, assim como Luther King fez. Se quiser, não é necessário seguir os manifestos políticos revolucionários, apenas o que diz em Provérbios 31:8,9 "Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos dos pobres e dos necessitados"

Questione o cristianismo que você está seguindo. Quando uma igreja é covarde, frouxa, apoia a opressão e não combate a desigualdade, ela é tudo, menos cristã.

Quantas vezes no culto de domingo o seu pastor abdicou de ministrar os dízimos e ofertas para questionar o sistema desigual de distribuição de renda assim como fez Jesus em Matheus 19:16? Quantas vezes o pregador da sua igreja ao invés de exortar sobre a orientação sexual dos jovens, questionou a violência contra a comunidade LGBTQ+ que não é alvo do amor de cristo? Em alguma oportunidade seu pastor chorou em comunhão com a igreja pelas vidas negras exterminadas diariamente pelo Estado brasileiro?

Antes de questionar por que tantas pessoas não acreditam mais em Deus, tente perceber que elas não encontram nas atitudes dos cristãos o amor que eles tanto pregam. Que Deus é esse que só existe na cabeça das pessoas e não nas atitudes delas? Ser cristão é também se compadecer com pessoas que não professam a mesma fé que a sua, mas merecem respeito e dignidade como todos os seres humanos.

Quem aceita a opressão contra o próximo, não acha que as desigualdades devam ser reparadas, e fica calado diante da injustiça, pode até falar que segue Jesus ou ouvir hinos. Pode frequentar igrejas, ostentar uma cruz no peito e até se intitular como do gospel num sentido mercadológico, mas não pode ser considerado cristão.

* Escrito por Allisson Tiago, professor de História e editor do podcast O Rap Em Debate

LINKS E REFERÊNCIAS


“Carta de uma prisão em Birmingham”: https://bit.ly/38IZssV

O FBI foi o pesadelo de Martin Luther King: https://bit.ly/3sDkjpE

Perseguição a Martin Luther King pelo FBI: https://bit.ly/3nTurHi

Histórico de  Dietrich Bonhoeffer: https://bit.ly/2LBmFVd

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