HIP HOP MI-MI-MI...O RAP TÁ FICANDO CHATO?

Inegavelmente o Hip Hop esta passando por transformações nos últimos tempos. E não estamos falando somente das novas tendencias do Trap que aparenta ser uma nova forma de criar música ou dos grupos da nova geração. As mudanças discursivas vieram à tona e propuseram uma nova leitura para o Rap nacional e não apenas com os grupos novos, mas também, com cantores veteranos que mudaram parte do que antes era falado. As locuções sobre as mazelas sociais abriram espaço para outras vozes, isto é, o fator econômico que antes era o principal foco para as desigualdades, agora passam a ter outros direcionamentos para falar das opressões.

Uma exemplificação dessa nova leitura do Rap, é a cantora Dory de Oliveira. A rapper que está na ativa desde 2005 e traz nas suas letras a militância contra a intolerância e o preconceito. Dory faz parte do gruo Les Queens que segundo a própria cantora é o primeiro grupo brasileiro formado por mulheres negras e lésbicas. A rapper lançou nas últimas semanas o vídeo clipe da música Delete nos machistas que fala sobre o empoderamento da mulher, contra o sexismo, e faz um alerta para os machistas de plantão.


Outro grupo formado por mulheres e que traz nas suas letras um temática diferenciada e o Rap Plus Size formado por  Issa Paz e Sara Donato. Letras que combatem o estereótipo normatizador que impõe um peso e aparência ideal para todas as mulheres. Também relatam sobre a conquista feminina na sociedade, a auto-estima e as lutas cotidianas.


Falar sobre opressão pressupõe a dominação. E não são só de fatores externos que o Rap tem que se defender também. A faixa Sulicidio produzida pela dupla Baco Exu do Blues e Diomedes Chinaski é uma prova disso. A música que se analisada friamente é bem mais do que um ataque gratuito aos rappers do eixo Rio -SP. Ela traz uma reflexão sobre a visão que se tem do norte e nordeste brasileiro. Letra que evidencia o preconceito e discriminação regional que é refletido no próprio Hip Hop.




O rapper Rico Dalasam é outro ícone do que se pode chamar de contracultura no Hip Hop. Definitivamente assumir a sexualidade dentro do Hip Hop não foi tarefa fácil. O cantor que é gay bate de frente contra o discurso homofóbico que é tão introjectado no Rap nacional. Dalasam dispara no vídeo clipe Aceite-C onde ele canta "Eu mudei de classe quando eu decide ser quem sou"



Não podemos deixar de citar a cantora Livia Cruz que exerceu seu direito de resposta na música Eu tava lá. Livia não poupou uma sequer virgula para relatar a caminhada que teve que percorrer no cenário do Rap nacional, e não aceitar diminuições de rappers homens que fazem um tipo de som carregado de machismo, misoginia, sexismo e menosprezo pelas mulheres.


Para finalizar, o veterano rapper da zona sul Criolo, ao relançar o álbum Ainda há tempo gravado inicialmente em 2006, fez questão de fazer uma releitura das músicas, e com isso alguns termos que na época pareciam comuns, mas hoje após 10 anos, se tornaram errôneos numa visão mais critica e humanizada das músicas. Faixas que estereotipavam mulheres e gays foram substituídas por outras palavras que dão outro sentido a canção.



Relembrando o Rap dos anos 90 que era associado a marginalidade, e era majoritariamente expositor das hecatombes sociais que afligiam a favela. Sem muito isso de direcionar as suas pautas e opressões para características coletivas. Era raro notar reivindicações parecidas como as que temos hoje como a dos grupos LGBTs, feministas, nordestinos, e muito menos veríamos  um rapper conceituado que cantou algum trecho com conteúdo machista se retratar posteriormente.

O que talvez nos traz a fazer um exercício de reflexão, e nos perguntarmos:
Será que precisa de todo esse discurso mesmo ou de fato O Rap está ficando chato?

A resposta mais crítica e rigorosa que podemos chegar é Sim, o Rap está ficando chato, e tende a ficar mais ainda.

O Rap está ficando chato pra machista que acha que pode segurar o microfone e vomitar as petulâncias patriarcais contra as mulheres e achar que está tudo bem. Homens que creem piamente na superioridade masculina, e saem por ai rotulando mulheres com adjetivos desrespeitosos, misóginos e generalistas. Está ficando muito chato mesmo pra esses pseudo-rappers que a cada música lançada com conteúdo degradante, são atacados por inúmeras mulheres empoderadas que não aceitam imposições sexistas das mais retrogradas e conservadoras camufladas com beats e flows modernos. Pra esses que objetificam a mulher e propositalmente às colocam como instrumento de prazer descartável, vai ficar mais chato ainda daqui pra frente com essa geração de mulheres do Rap que está chegando.

Continuando a chatice no Rap, também não está muito divertido para os machões do Hip Hop que se enxergam como "guardiões da sexualidade alheia". Não está fácil ver Mc's falando abertamente sobre a sua orientação sexual, sobre as agressões originadas pela homofobia, sobre a liberdade de escolha que qualquer um deve ter. Deve ser muito chato pra quem cultiva sua intolerância fielmente ter que admitir que alguns dos nossos rappers mais evidentes são gays ou lésbicas.

E essa epidemia de chateação que está internalizada no Rap não para por ai. O eixo privilegiado que sempre ostentou a alcunha de "berço do Rap" também foi alvo. Quantas vezes lemos nos comentários das redes sociais: "Só o Rap do Rio e Sp prestam". Atualmente a chuva meteórica de rappers nortistas e nordestinos invadiram as ondas sonoras do Rap. E infelizmente para alguns xenófobos e separatistas de plantão está muito penoso saber que existem outras sonoridades, dialetos,  temáticas e opiniões que são dessemelhantes ao "idioma" paulista ou carioca.

Ver um rapper mudando letra de música 10 anos após o lançamento, somente para combater o preconceito e a misoginia é muito chato mesmo. Porém, só é chato pra quem não entende as opressões e desrespeitos que esses vocábulos trazem para alguns grupos.

Infelizmente o Rap nacional que tanto combate o racismo e o preconceito, também tem a sua parcela de culpa na intolerância e conservadorismo que temos hoje. E se ele foi embrionário desse tipo de pensamento, deve por ética e compromisso, ser combatente dele também.

Quem vive o Rap nacional verdadeiramente deve entender que toda, e repetindo, TODA forma de racismo e preconceito é injusta e deve ser abolida dos nossos discursos. Discordar de opiniões alheias é um direito, ninguém é obrigado a concordar com tudo, mas reforçar discurso de ódio, intolerância e preconceito é alheio ao Rap. 

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